SOBRE UMA EXPOSIÇÃO DE ARTE CONTEMPORÂNEA
Para Milton Santos (in memorian)
A maneira como Tempo, Espaço: Lugares ganhou seu formato definitivo não é inusitada, ainda que pouco usual. Da concepção do projeto, escolhido em edital, até o resultado que temos hoje, inclusive este catálogo, sempre esteve presente a figura do genial geógrafo e pensador Milton Santos por meio de seus vários textos. A dinâmica conceitual envolvia, em seu lado prático, encontros quinzenais com a leitura e discussão destes textos, complementados com outros autores, as visitas à cidade de Campinas para que os trabalhos fossem concebidos e a “costura” de ambos pela poética individual dos artistas; do outro lado havia uma tentativa de conceber um pensamento sobre o lugar , como definido por Santos, e de que maneira a arte poderia materializá-‐lo através de uma exposição.
Muitas vezes a compreensão de uma situação complexa passa por vê-‐la de forma parcial; não é examinando o todo que podemos ter sua real complexidade mas sim enxerga-‐la por uma parte . Portanto para examinar questões urbanas usamos a arte unida à geografia.
Daí o nome da exposição: Tempo ,em relação as cidades, diz respeito as superposições, a combinação de elementos com escalas e idades diferentes, que caracterizam o Espaço . Nas palavras de Milton Santos “o espaço portanto é um testemunho; ele testemunha um momento de um modo de produção pela memória do espaço construido, das coisas fixadas na paisagem criada” 11 . Essa junção Tempo, Espaço resulta no que podemos denominar Lugar e também sua especificidade; as ações do presente e do passado,as influências locais e as distantes, onde todos os diversos elementos deveriam funcionar sincronicamente.
É quando estes elementos localizados no Lugar passam a não funcionar que temos uma descaracterização da especificidade, principalmente nas grandes cidades. Sintoma da globalização o Lugar passa a ser um espaço indistinguível, onde não mais me reconheço e nem reconheço o outro. Essa desumanização e também a destemporalização do Lugar parecem não ter como serem contestadas perante o pensamento totalitário (Santos sabiamente o denominou globalitarismo).
Talvez uma das poucas possibilidades de contestar esse pensamento hegemônico seja através da arte. Não há idealismo algum nisso. Apenas tentativas de abrir fissuras numa enorme e aparentemente indestrutível estrutura com uma ferramenta antiga, enferrujada, contaminada pelo mesmo sistema que tenta contestar.
Em um mundo em que todas as atividades devem ser produtivas e o tempo é medido em valores monetários abrir possibilidades para um tempo mais lento, mais humano, pode ser algo mais efetivo do que se imagina.
1 SANTOS, MILTON. Por uma Geografia Nova, ed. EDUSP, pg. 173
PROTEÇÃO | Carol Seiler
No mundo em que vivemos percebemos uma tendência do ser humano ao afas-tamento e ao isolamento, inclusive da própria fé. Relações sociais tênues são cria-‐ das, estabilizando-‐se apenas durante um tempo. A relação do homem com o divi-‐ no, neste mundo cada vez mais materialista e solitário, está cada dia mais distante.
Segundo o conceito “fluxos”, as pessoas que se deslocam para fazerem uma ati-‐ vidade em um determinado local, estabelecem um vínculo no novo lugar. Base-‐ ando-‐me nesse conceito, removo anjos da Capela da Santa Casa e os coloco em diferentes pontos da cidade para que novos vínculos se estabeleçam. Os anjos então, nestes diferentes espaços, simbolizam proteção divina.
Anjo significa “mensageiro de Deus”. Acredita-‐se que o espírito protetor é ligado ao individuo desde o nascimento até a morte. Hoje as pessoas esquecem que sem-‐ pre estão acompanhadas, independentemente de suas crenças: por Deus, por seu anjo protetor, por familiares ou amigos ou por sua força interna.
Refletindo sobre esse conceito e sobre a importância da superação do isolamento e da religação com a própria fé, escolhi algumas imagens de anjos que habitam paredes, grades e tetos da Capela da Santa Casa de Campinas. Bordei imagens de anjos, e as espalhei em diversos lugares da cidade, para lembrar às pessoas que nunca estão sozinhas. Levei a proteção dos anjos, materializada em um adesivo de desenhos bordados por mim sobre tecidos, usando fios de cabelos “sagrados” femininos interferindo sobre roupas antigas de criança que pertenceram a mim e a minha filha. Segundo Eduardo de Miranda, em Corpo, Território do Sagrado, Ed Loyola, 2000, “O cabelo, coroa (sehar em hebraico), traz a lembrança do que há de mais elevado no homem. Cada fio, em seu mistério, cresce como rebento da árvore humana sobre seu ponto mais próximo dos céus”...